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Um Olhar Microcóspico sobre a Aleatoriedade

Esse texto compõe a primeira parte de uma série de artigos sobre a história das Finanças Quantitativas. O período analisado a seguir pode ser considerado a "Era dos Fundamentos", marcado por observações de fenômenos estocásticos e formulações matemáticas que viriam a embasar o desenvolvimento teórico desse campo do conhecimento.


Modelos complexos e ideias heterodoxas frequentemente nascem de eventos simples. É bem provável que o botanista escocês Robert Brown sequer imaginava que a sua descoberta sobre o comportamento de grãos de pólen da Clarkia Pulchella durante um estudo no século XVIII seria o primeiro passo para o entendimento de uma dinâmica que atravessou séculos e campos de conhecimento, envolveu outros gênios como Albert Einstein e acabou sendo denominado em sua homenagem: o movimento geométrico browniano.


O paper[1] publicado por Brown em 1828 na The Philosophical Magazine and Annals of Philosophy revelou que a estrutura reprodutiva de uma planta submersa em água sem corrente apresentava movimento próprio, independente de fatores exógenos, uma vez que o fluido não tinha corrente. Ademais, esses grãos de pólen também mudavam de forma. Tais observações também se aplicavam a todas as outras espécies de plantas que Brown havia examinado. Ainda mais estarrecedor para o cientista era o fato de que essas moléculas mantinham o movimento mesmo após a morte da planta.


Cerca de 10 anos após essa inovadora publicação nascia Thorvarld Thiele, o qual se tornaria um astrônomo dinamarquês e diretor do Observatório de Copenhagen, além de ser a primeira pessoa a descrever matematicamente o movimento browniano.


Em 1900, o gênio Louis Bachelier transportaria a ideia nascida na botânica e traduzida na matemática para o cenário financeiro mediante a sua tese "A Teoria da Especulação"[2]. Nesse trabalho, o matemático francês aplica Leis da Probabilidade para analisar os movimentos de preços de um ativo, chegando à conclusão de que tal dinâmica é aleatória e afirmando que, em decorrência disso, o resultado esperado de um especulador é zero.


Bachelier não tinha noção de que sua obra seminal formaria a ponte entre Biologia e Finanças, introduzindo o movimento geométrico browniano no contexto de ações e derivativos. Aliás, o autor não teve noção da importância do seu trabalho em vida, já que o seu paper permaneceria por anos em estado "dormente" até ser revisitado por teóricos e estudiosos das Finanças no decorrer do século XX.


Já em 1905, um gênio de outro campo científico colocaria sob investigação o movimento browniano usando outra perspectiva. O físico Albert Einstein (à época com apenas 26 anos) expôs em "Investigações sobre a Teoria do Movimento Geométrico Browniano"[3] a hipótese que o movimento dos grãos de pólen preconizado por Robert Brown poderia ser explicado com base na dinâmica molecular-cinética.


No seu trabalho, Einstein identifica o movimento contínuo das partículas de água nas quais os grãos de pólen estão inseridos. Apesar de não haver corrente nesse líquido, conforme identificado por Brown anteriormente, ocorre uma incidência de choques entre essas moléculas de água e as partículas de pólen, causando os movimentos estocásticos em diversas direções, sendo que esseas movimentações são de magnitude condicionada a fatores como o tamanho da partícula de pólen e a temperatura da água (quanto maior, mais agitação nas moléculas e, consequentemente, mais choques e deslocamentos).


Esse processo é descrito matematicamente por Einstein usando a equação da difusão:

A partir disso, o físico descreveu o coeficiente de difusão D como:

Tais equações também alcançariam proeminência futura no mercado financeiro.


Sendo assim, Einstein não só chegou a um modelo matemático explicativo do movimento geométrico browniano, mas também ofereceu contribuições significativas para a teoria atômica e cinética.


Quase duas décadas depois, Norbet Wiener - matemático considerado o fundador da cibernética - desenvolveu um rigoroso e detalhado escopo teórico sobre o movimento browniano. No seu trabalho de 1923 denominado "Espaço-Diferencial"[4], Wiener revisa a teoria proposta por Einstein, segundo a qual a velocidade inicial da partícula no movimento browniano é de importância negligenciável, de forma que a sua trajetória é estabelecida a partir dos impulsos (derivados dos choques entre as moléculas). Isso siginifica que o deslocamento da partícula em determinado intervalo é independente da sua história prévia, o que seria uma referência ao processo estocástico de Martingale.


Coincidência ou não, Wiener atribuiu a motivação do paper a uma conversa com o gênio matemático françês Paul Pierre Lévy, considerado peça fundamental na aplicação do conceito de Martingale na Teoria da Probabilidade devido aos seus trabalhos e teoremas. Isso ajuda a explicar a relação entre movimento browniano e Martingales nesse contexto.


A principal contribuição de Wiener reside na sua visão de que não era a posição da partícula independente do seu posicionamento em outro instante, mas sim o seu deslocamento em certo intervalo que carregaria essa propriedade de independência em relação a um deslocamento em outro intervalo.


De acordo com o cientista, esses pequenos deslocamentos independentes em intervalos curtos assumem uma distribuição gaussiana e agem como dimensões, dando origem ao nome "espaço-diferencial".


 

Muitos estudiosos e cientistas tiveram contribuições relevantes para o tema no final do século XIX e início do século XX, mas a tentativa de citar todos em um curto artigo seria uma tarefa quase inexequível. No próximo texto, será discutida a era de Retorno-Risco, com Markowitz e Black-Scholes-Merton.




Referências


  1. Brown, R. (1828). A brief account of microscopical observations made in the months of June, July, and August, 1827, on the particles contained in the pollen of plants. Philosophical Magazine and Annals of Philosophy, 4(21), 161-173.

  2. Bachelier, L. (1900). Théorie de la spéculation. Annales Scientifiques de l'École Normale Supérieure, 17, 21–86.

  3. Einstein, A. (1905). Investigations on the Theory of the Brownian Movement. Translated by A. D. Cowper. Dover Publications, 1926.

  4. Wiener, N. (1923). Differential space. Journal of Mathematical Physics, 2(1), 131–174.










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