Sobre as ruínas dessa casa construí um memorial
Uma obra erigida com rancor mortal
Pra me recordar da desdita e a sua ubiquidade
E de como escapei, mesmo lacerado, da sua impiedade
Verti o sangue que jorrava dos meus ferimentos
Em uma taça de amarguras e sofrimentos
Ofereci o cálice a Osíris em libação
Para que em sua balança fosse pesado o meu coração
Tomei as madeiras da nau que soçobrou
Fiz uma pira para cremar o que de mim restou
Essa é a minha Moriá, mas não há cordeiro
A imolação traz à existência o meu eu verdadeiro
Juntei as cinzas que me sobraram
Misturei com as lágrimas que do meu rosto gotejaram
Deste barro escuro construí um novo homem
Diferente de tudo o que fui ontem
Como oleiro formei seu aspecto
Soprei sobre ele vida e afeto
Vindos de um pulmão quase sem fôlego
Em um corpo frágil com joelhos trôpegos
Ergui o meu punho em riste
Negando a aceitação da sina funesta e triste
Apostei contra todas as probabilidades
Desafiei os caprichos torpes das divindades
Subjuguei o nefasto Crupiê da vida
Estava farto da mão ruim que seguidamente me era oferecida
Com a minha Rudis atravessei o coração do Oráculo
Seus maus agouros só me serviam de obstáculo
Talvez a ira dos céus paire sobre mim pela rebeldia
Mas os meus atos transformaram a minha noite em dia
A mais nefasta guerra é aquela travada contra si mesmo
Não temo homens ou deuses, mas sim o ódio contra o que vejo no espelho
Comments