A imagem de capa é a pintura "Pandora" de John Willian Waterhouse (1898). A obra retrata Pandora, primeira mulher na mitologia grega que dá nome ao vazamento de dados sobre empresas offshore, blindagem patrimonial, evasão e elisão fiscal de diversas personalidades globais, incluindo um presidente de banco central e um ministro brasileiro.
Cenário internacional
Na mesma semana de um vazamento de dados expondo evasão e elisão fiscal (mais sobre isso adiante), países do G-7 e G-20 se aproximaram ainda mais de um acordo para tributação de corporações a nível global. A Irlanda, última força resistente ao projeto e território com impostos abaixo da média global para grandes empresas, cedeu frente aos países que defendem a proposta.
Uma outra negociação internacional que não tem demonstrado o mesmo tipo de progresso é o acordo nuclear dos países ocidentais com o Irã. Estadunidenses e iranianos voltaram a conversar após um hiato de 3 anos, mas no curto prazo, pouca coisa deve mudar.
O Irã continua a sentir o peso das sanções impostas pela administração Trump sobre a sua economia. Ao mesmo tempo, o país tem dedicado esforços no enriquecimento de urânio e conta com um político conservador e linha-dura no comando: Ebrahim Raisi, eleito em junho deste ano. Mais um desafio complexo para a administração de Biden, que tenta sacudir o pó da saída mal executada no Afeganistão.
Já nos assuntos domésticos, Biden viu um Payroll muito abaixo da expectativa, com geração de 194 mil vagas de emprego em setembro, sendo o menor ganho do mercado de trabalho estadunidense neste ano.
Cenário doméstico
Um consórcio internacional de jornalistas trouxe à tona uma série de documentos que expõe práticas criminosas (evasão fiscal) e legais (blindagem patrimônio, elisão fiscal) de personalidades ricas e influentes. Essa diferenciação é importante porque nem todos os envolvidos infringiram a lei, mas alguns deles tiveram sua credibilidade questionada por possíveis conflitos de interesse.
Essa é a maior colaboração entre veículos de imprensa na história. O megavazamento supera o escândalo do Panama Papers, mas os personagens são semelhantes: políticos poderosos, ditadores, empresários, artistas e atletas.
No Brasil, duas figuras foram diretamente atingidas pela divulgação: o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o Ministro da Economia, Paulo Guedes. O primeiro era dono de uma empresa offshore até o encerramento da sua atividade 15 meses após a sua posse na instituição monetária. Já Guedes está em situação mais delicada: o Ministro também tem uma empresa offshore que ainda está ativa e com patrimônio milionário.
Em termos legais, ambos são, a princípio, inocentes. O patrimônio em paraíso fiscal foi devidamente reportado à Receita, portanto, não há ilegalidade nesse sentido.
O ponto nevrálgico é a questão moral da história: Campos Neto está à frente de um Bacen que atrasou o aperto monetário e, para muitos, não se portou como guardião do real, permitindo a sua depreciação frente ao dólar. Guedes tem minimizado a perda de poder de compra da moeda e está conduzindo uma reforma do IR ao mesmo tempo em que pratica elisão fiscal.
A partir disso é fácil ligar os pontos: não que ambos tenham agido de forma proposital, mas Campos Neto e Guedes foram capazes de proteger o próprio patrimônio offshore enquanto o real derretia (e derrete ainda) frente ao dólar. Os tomadores de decisões que afetam o real não estavam tão investidos na moeda nacional, e isso pode constituir conflito de interesse.
O Ibovespa caminhava para mais uma semana negativa, mas reagiu no pregão de sexta (08/10) e fechou o período próximo do zero a zero (-0.06%). Inclusive, o índice brasileiro foi destaque na imprensa financeira internacional. Uma matéria da CNBC chama a atenção para o fato do mercado brasileiro estar nas mínimas dos últimos 7 meses, mas que isso não significa que é momento dos estrangeiros aproveitarem a oportunidade para comprar ativos do país. Ou seja, o capital de fora continua desconfiado e passando longe da bolsa local.
Além da tensão política, destacada na matéria acima, o ambiente macro segue com alto grau de incerteza. O Brasil, inclusive, alcançou duas marcas tristes da sua história recente no decorrer da semana: inflação oficial a dois dígitos (IPCA de 12 meses - 10,25%) e 600 mil mortes por Covid.
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