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[Semana 4/52] Panorama semanal


Cenário internacional


Fechamos apenas o primeiro mês de 2021 e já temos boas histórias marcantes desse período: invasão ao Capitólio e posse de novo presidente nos Estados Unidos, avanço da imunização contra a Covid-19 mundo afora e, recentemente, uma revolta em Wall Street.


Muitas pessoas estão cientes da inacreditável disparada do papel da GameStop, uma varejista de jogos e equipamentos eletrônicos. Vale, no entanto, esclarecer de forma mais detalhada alguns aspectos dessa fascinante história.


"Por que a ação disparou?"


Uma comunidade no Reddit chamada wallstreetbets selecionou algumas ações de empresas com qualidade de negócio bem duvidosa (GameStop é o principal exemplo) e iniciaram um movimento conjunto de compra desses papéis, causando forte elevação no preço desses ativos.


Qual foi o critério de escolha dessas ações? O fato de alguns hedge funds[1] famosos estarem com grandes posições vendidas (short) nessas ações específicas. O objetivo dessa operação é lucrar com a queda no preço do papel. Cientes dessa exposição dos hedge funds, os membros da comunidade online decidiram orquestrar esse movimento de alta que levou a prejuízos bilionários para fundos como Citron Capital, D1 Capital Partners e Point72, do famoso gestor Steve Cohen.


O pior (ou melhor) de tudo é que quando um papel começa a subir, quem está vendido e decide limitar o prejuízo precisa comprar o ativo para encerrar a sua posição (a compra anula a venda / a venda anula a compra), ou seja, quem antes apostava na queda do ativo está comprando também. Resultado: a ação sobe ainda mais. Esse movimento que aperta os vendidos contra a parede é conhecido em finançês como "short squeeze".


A motivação principal de escolher os hedge funds como alvo foi o ressentimento dos pequenos traders e investidores contra Wall Street, assunto que será tratado mais adiante


"Quais tem sido os desdobramentos?"


Não só os hedge funds estão se queimando nessa história. A corretora Robinhood, conhecida por baratear e incentivar o acesso do cidadão estadunidense ao mercado financeiro, decidiu suspender as compras da ação da GameStop de forma arbitrária. De acordo com Vlad Tenet, CEO da empresa, não houve influência dos grandes fundos na decisão e só foram proibidas as operações de compra, não a venda do papel (😒).


O que ocorreu é que corretoras como a Robinhood trabalham com Câmaras de Compensação (Clearing Houses), financiando as operações dos seus clientes. As ações impulsionadas pela comunidade do Reddit tiveram um aumento expressivo de volatilidade, tornando o custo de garantia desses papeis extremamente elevado para as corretoras, que se encontraram em uma situação complicada de liquidez operacional. A Robinhood, inclusive, teve que acessar linhas de crédito bancário para readequar seu níveis de capital, conforme noticiado pela imprensa financeira.


A decisão, claro, causou indignação em diversos usuários da plataforma e processos judiciais já foram iniciados contra a companhia.


Esse movimento atípico no mercado também não passaria despercebido pelos órgãos reguladores. A SEC (Securities Exchange Comission) avisou que está monitorando a situação.


"Considerações sobre o caso GameStop"


É importante destacar em primeiro lugar que essa loucura soa inédita, mas um episódio semelhante ocorreu em 2008 com as ações da Volkswagen. Na ocasião, a Porsche anunciou de forma inesperada que havia obtido o controle majoritário da companhia. Os papeis da VW dispararam tanto que a empresa obteve, por um curto período de tempo, o título de ação com maior capitalização de mercado do mundo, tornando-se um caso clássico de "short squeeze". A diferença evidente é que o fenômeno ocorrido com os papeis da montadora alemã não foi orquestrado por uma comunidade no Reddit.


Cabe ressaltar também que os hedge funds, as "vítimas" da vez, e as grandes instituições financeiras que condenam esse evento e pedem mais regulação (🤔??) têm um longo histórico de manipulação do mercado.


A elite de Wall Street têm irritado a sociedade estadunidense há décadas. Grandes firmas de investimentos que promovem fusões e aquisições que destroem valor; especulação incontrolável sobre setores da economia real; CEO's de bancos quebrados recebendo bônus absurdos em meio a uma derrocada financeira que aprofundou a desigualdade social no país e no mundo.


A crise de 2008 ficou para trás apenas nos livros de história. A ruptura entre Wall Street e a sociedade foi tão profunda que abriu as portas para iniciativas de pessoas indignadas contra um sistema financeiro concentrado e lobbysta, indo desde o nascimento do Bitcoin até o Occupy Wall Street, passando pela famosa "Fearless Girl".

A indignação contra Wall Street não é de hoje...


Executivos do próprio mercado passaram a questionar os métodos de High Frequency Trading (HFT) empregado pelas instituições com o objetivo de manipular preços de ações, como retratado no livro "Flash Boys: Revolta em Wall Street" (se eu pudesse dar uma sugestão a Michael Moore, adoraria ver um Flash Boys 2 sobre esse evento da GameStop).


O melhor documentário sobre aquela crise é o Trabalho Interno (original, Inside Job), disponibilizado recentemente pela Netflix e narrado por Matt Damon.


Essa postura de Wall Street mostra um grande distanciamento em relação ao papel fundamental do mercado financeiro: fomentar o desenvolvimento e a alocação eficiente do capital, com investidores viabilizando projetos relevantes de empresas e empreendedores; possibilitar a redução do risco financeiro através de instrumentos de proteção e diversificação; oferecer acúmulo de patrimônio e geração de renda alternativa para o indivíduo que busca mais bem-estar.


Não se sabe se o caso GameStop irá se repetir com mais frequência, porém, a mensagem ficou gravada.


Cenário doméstico


A ata do COPOM divulgada no decorrer da semana confirmou o que muitos analistas já esperavam: o ciclo de cortes nos juros e SELIC na mínima histórica está muito próximo do fim. No documento, o comitê admitiu que uma elevação da taxa já naquele momento foi discutida, mas a decisão final foi de manutenção a 2,00%.


O Banco Central já tem dado sinais de que a normalização monetária gradual pode ocorrer a partir das primeiras reuniões de 2021. O abandono do forward guidance[2] e a comunicação sobre a assimetria no balanço de riscos indicam que a instituição está preocupada com o risco altista da inflação.

O Ibovespa (115.068 pontos) fechou mais uma semana no negativo e terminou janeiro com queda de -3,32%. O dólar terminou o período cotado a R$ 5,47, com alta de +5,18% no mês.

 

Conceitos técnicos


[1] Hedge funds são fundos multimercados com grande estabilidade estratégica e baixo escrutínio regulatório. Esses veículos de investimento são exclusivos para investidores qualificados (ou seja, pessoas ricas com entendimento dos riscos inerentes ao mercado financeiro).


[2] Forward guidance é um instrumento de política monetária expansionista, na qual o Banco Central sinaliza que deve manter a taxa de juros em níveis baixos no futuro, alinhando a expectativa de inflação com os agentes de mercado.

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