A imagem de capa é a pintura Remnants of an Army, Jellalabad (1872) de Elizabeth Thompson, Lady Butler. A obra retrata Willian Brydon, o único sobrevivente britânico da Retirada de Kabul em 1842, durante a Primeira Guerra Anglo-Afegã. Trata-se de mais um exemplo da história de derrotas e fracassos dos poderes ocidentais que interviram no Afeganistão.
Cenário internacional
De um panorama para outro o Taliban passou de um exército com rápidos ganhos territoriais para o governo oficial do Afeganistão. O evento já era esperado, mas a velocidade do ocorrido surpreendeu a muitos.
Sendo assim, o Taliban, considerado por Ahmed Rashid (provavelmente a maior autoridade no assunto), o movimento islâmico que atrai mais atenção no pós-Guerra Fria, volta ao poder após duas décadas. As origens do grupo extremista remontam aos mujahideen, que lutaram contra os soviéticos nos anos 80 com um massivo apoio dos...Estados Unidos.
Evidentemente a retirada das tropas estadunidenses é um fator chave na forma como o Taliban varreu o território afegão. A questão é complexa porque a maioria dos cidadãos dos Estados Unidos apoiam a saída militar do Afeganistão, o que põe fim (pelo menos para os estadunidenses) a uma guerra que durou 20 anos, causou a morte de milhares de combatentes e custou $2 trilhões de dólares, segundo estimativas da Brown University. Essa cifra (em termos nominais) supera o valor do pacote de investimento em infraestrutura que o governo Biden propôs este ano.
Falando no presidente, qual o tamanho da sua responsabilidade nesse caos? A guerra foi iniciada por Bush Jr, de longe o maior culpado no cartório; o seu sucessor, Obama, parecia ter amassado o Talibã e a Al-Qaeda com operações efetivas de contra inteligência entre 2010 e 2013, mas uma mudança de estratégia em 2014 começou a mudar o pêndulo a favor dos extremistas novamente; Trump entrou em acordo com o próprio Taliban em 2020 para a retirada das tropas em maio de 2021, o que foi concretizado por Biden com alguns meses de atraso. A bomba estourou no colo do atual presidente
O fato, portanto, é que a saída estadunidense do Afeganistão era esperada e até apoiada em casa, mas a execução foi um dos maiores fracassos de política externa da era moderna.
No dia 08 de julho, Biden concedeu uma entrevista coletiva sobre o fim da presença dos Estados Unidos no Afeganistão. O vídeo está abaixo, seguido por algumas declarações de destaque do mandatário na ocasião:
A tomada do Afeganistão pelo Taliban é inevitável agora?
"Não, não é. Porque as tropas afegãs são compostas por 300 mil soldados, bem equipados como qualquer outro exército no mundo, e com força aérea. De novo, contra 75 mil Talibans. Não é inevitável."
Qual é o nível de confiança que eles (agências de inteligência dos Estados Unidos) têm de que o governo afegão não irá colapsar?
"A liderança afegã tem que se unir. Eles claramente têm a capacidade de sustentar o governo."
E por fim:
"A chance de termos o Taliban mandando em tudo e dominando todo o país é muito improvável."
Nem é preciso elaborar muito sobre a desconexão entre as frases de Biden e o que ocorreu de fato.
Devem ser ressaltados alguns agravantes desse evento histórico:
As tropas afegãs, supostamente treinadas por quase duas décadas, sequer ofereceram resistência;
Falta de coordenação com os aliados (Reino Unido, Alemanha, França) na retirada;
Apesar do apoio dos cidadãos à ideia de deixar o Afeganistão, a piora da situação com violações aos direitos humanos e execuções até mesmo de estadunidenses pelo Taliban pode erodir a presidência de Biden.
Em 17 de maio, Ashraf Ghani, representante do governo civil apoiado pelos Estados Unidos, afirmou à jornalista Amna Nawz da PBS o seguinte:
"Se tiver guerra, eu sou o Comandante em Chefe. Eu não vou abandonar o meu povo. Eu não vou abandonar minhas forças. Estou disposto a morrer pelo meu país."
Em 23 de julho (um mês atrás), ele postou no Twitter:
"Essa noite eu falei com o presidente Biden por chamada telefônica. Discutimos a contínua relação entre os dois países, que está evoluindo. O presidente Biden reafirmou que o suporte para a ANDSF (Força Afegã de Segurança e Defesa Nacional) continuará. Temos confiança de que eles protegerão e defenderão o Afeganistão."
Ghani fugiu do país em 15 de agosto e se encontra nos Emirados Árabes Unidos.
E o que o Taliban tem mostrado até o momento? Um discurso moderado que certamente não estará em linha com a realidade nos próximos dias, semanas e meses. Os direitos das mulheres darão muitos passos atrás e será difícil assistir o desenrolar dos fatos. Já tem sido triste testemunhar o desespero de pessoas penduradas em aviões para fugir do país.
Ademais, trata-se de um novo ator político na região. A Rússia certamente está monitorando o cenário, enquanto a China já se antecipou em reconhecer o novo governo e deve enxergar uma janela de oportunidade para expandir seu projeto "One Belt One Road" no território afegão. A embaixada chinesa no Sri Lanka aproveitou para dar uma "cutucada" nos Estados Unidos ao afirmar que a unidade no Afeganistão está funcionando normalmente (ponto 4):
Cenário doméstico
O Ibovespa teve uma semana difícil. Apesar dos pregões de quinta e sexta mostrarem um "respiro" do índice amplo do mercado brasileiro, o desempenho do período foi de -2,59%, a segunda pior variação semanal da bolsa nos últimos 6 meses.
Para quem é grafista e gosta das linhas de Fibonacci (Fibonelson para os mais chegados) deve ter observado que o Ibov "respeitou" a retração de 61,8%, considerando o indicador traçado do último fundo de 02/Março ao topo histórico alcançado em 07/Junho. O período também foi marcado por um volume de negociação acima da média (móvel, aritmética de 20 períodos).
Desde a máxima estabelecida nos 130.776 pontos (valor de fechamento), o índice brasileiro acumula queda de quase -10% em 54 dias. O movimento não é atípico, uma vez que já presenciamos uma queda de -8% em 15 dias no mês de janeiro e outra de quase -9% em 7 dias no final de fevereiro. O diferencial dessa semana, portanto, é a queda gradual e duradoura, aumentando a probabilidade de agosto ser o segundo mês consecutivo de variação negativa no Ibovespa.
A pergunta que não calar é: por que? Uma breve olhada nos principais canais de notícias vão apontar "risco fiscal" e "ruídos políticos" como os motivos por trás dessa desvalorização da bolsa, mas a verdade é que a situação das contas públicas já está em situação frágil há muito tempo e que as divergências entre os poderes da República é uma constante no atual governo, que já caminha para seus últimos 12 meses de mandato (a ver se terá um segundo após 2022). Tentar racionalizar o sobe e desce do Ibovespa no curto prazo não parece um exercício muito proveitoso.
Há também quem compartilhe da percepção acima e prefira questionar se vale a pena comprar ações nesse cenário, afinal uma queda generalizada de quase dois dígitos pode oferecer boas oportunidades para a aquisição de bons papéis em níveis depreciados. Mas aqui vale uma ponderação: da mesma forma que não se compra só porque o preço está subindo (ou vende porque está caindo), deve-se tomar cuidado para se posicionar um ativo meramente porque ocorreu uma queda vertiginosa.
Com um cenário de juros ascendentes (no pior caso, podendo chegar a dois dígitos ano que vem) e eleição presidencial polarizada no horizonte, o caminho de muitas empresas pode ser pedregoso daqui pra frente. Mais do que nunca será necessário escolher com cuidado companhias com negócio sustentável no longo prazo.
Uma percepção do mercado é que geralmente bolsa e dólar andam em direções opostas (nem sempre). Nessa semana, a correlação se confirmou e o dólar subiu +3,17% frente ao real, voltando ao patamar de abril.
A paridade, que não só reflete dinâmicas de oferta/demanda e juros, mas também precifica o risco-país, não sai da faixa entre R$ 5,75 (com um breve rompimento até os R$ 5,92 em maio) e R$ 4,93. O dólar já acumula ganhos de +4,27% em 2021 após uma escalada de quase +30% no ano anterior. Com rumores de redução de estímulos pelo Fed (tapering), o cenário pode ficar ainda mais complicado para os emergentes em relação a fluxo de capital, o que inclui o Brasil.
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