(Português)
"A tarefa mais importante da vida é simplesmente essa: identificar e separar as situações de forma que eu possa dizer claramente para mim mesmo quais são externas e fora do meu controle e quais estão relacionadas às escolhas que eu de fato controlo. Onde então devo olhar o que é positivo ou negativo? Não nas situações externas incontroláveis, mas dentro de mim, nas escolhas que são minhas..."
Epíteto
Essa frase faz referência direta a uma das pedras angulares do Estoicismo: discernir o que é controlável daquilo que não é. Todo evento da vida humana traz um pouco de cada.
Situações incontroláveis assumem diversas formas: um diagnóstico inesperado, um acidente, uma crise econômica ou uma pandemia. Esse tipo de ocorrência é inevitável e nos atinge de forma contundente, no entanto, quando depositamos a nossa atenção no que está fora do nosso controle, abrimos espaço para o stress e a ansiedade.
Foi nesse sentido que Jesus afirmou em determinada oportunidade:
"Qual de vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar algum tempo à jornada da sua vida?"
Mateus 6.27
A preocupação e a ansiedade não mudam o status do que não pode ser controlado.
Dependendo da nossa crença, nomeamos essas situações de acaso, sorte/azar, Lei de Murphy, Fortuna ou propósito divino. Independente da forma como enxergamos essas externalidades, é importante reconhecermos sua existência e escolhermos concentrar todas as nossas forças no que realmente pode ser mudado. E se existe algo que pode ser de fato controlado é a nossa própria reação frente a qualquer evento.
Nassim Taleb oferece uma outra perspectiva sobre a nossa relação com as externalidades da vida (aqui chamada de Fortuna). Da mesma forma que não temos controle sobre essas situações, elas também não exercem domínio absoluto sobre nós:
"A única coisa que a Fortuna não controla é o seu comportamento. Boa sorte."
Nassim Taleb
A partir do momento em que tiramos os olhos do que não pode ser mudado, temos mais capacidade de atuar no que está sob o nosso controle. Isso é essencial, porque quando dissociamos nossas emoções daquilo que é externo e condicionamos o nosso bem-estar às nossas decisões, nos tornamos livres.
Se, por exemplo, uma escritora publica um livro que será lido por milhares de pessoas, ela pode visualizar o seguinte:
A escrita, formatação, título e conteúdo do livro: Está sob o meu controle
A forma como os leitores vão receber a minha obra: Não está sob o meu controle
A maneira como vou lidar com as críticas e feedbacks dos leitores: Está sob o meu controle
Se essa autora conseguir focar nos pontos 1 e 3, ela não terá medo de publicar a sua obra e se expor às críticas. Além disso, ela não condicionará o seu sucesso à forma como o seu livro será recebido pelo público, deixando de se ofender com comentários nocivos, uma habilidade necessária na era dos perfis fakes e de pessoas tóxicas nas redes sociais. Filtrando esse tipo de ruído, ela poderá dar atenção aos feedbacks de colegas de profissão e avaliações de pessoas que tem credibilidade (believability, como diria Ray Dalio).
Inclusive, é essencial entendermos que o comportamento das outras pessoas não está sob o nosso controle. Frequentemente nos esquecemos disso e lançamos sobre os outros nossas expectativas em uma espécie de mendicância emocional.
Quando entendemos que, independente do nosso esforço, não podemos obrigar ninguém a nos amar e não somos capazes de agradar a todos, libertamos a nós mesmos e ao próximo também.
Ignorar as mudanças que podem ser feitas por nós ou dispender energia no que não está sob o nosso controle são duas formas distintas de sofrimento garantido. Quebrar qualquer evento que nos ocorre em controlável/incontrolável é uma habilidade fundamental e ao mesmo tempo extremamente difícil. É por isso que Epíteto a considera a " tarefa mais importante da vida".
Não à toa temos a famosa Oração da Serenidade, que traduz de forma simples o princípio discutido acima:
"Deus, me dê Serenidade para aceitar o que eu não posso mudar, Coragem para mudar o que posso e Sabedoria para saber a diferença. "
(English)
“The chief task in life is simply this: to identify and separate matters so that I can say clearly to myself which are externals not under my control, and which have to do with the choices I actually control. Where then do I look for good and evil? Not to uncontrollable externals, but within myself to the choices that are my own . . .”
Epictetus
This quote embodies one of the key principles of the Estoicism: to differentiate what can be controlled from what is not. Every human life event carries both aspects.
Uncontrollable situations may take many forms: an unexpected diagnosis, an accident, an economic crisis or a pandemic. These events are inevitable and hit us bluntly, however, when we focus our attention on what is out of our control we provide space for stress and anxiety.
In this sense, Jesus claimed that:
"Which of you by being anxious can add a single hour to his span of life?"
Matthew 6.27
Worry and concern don't change the status of something that can't be controlled.
Depending on our beliefs we name these situations as randomness, good/bad luck, Murphy's Law, Fortune or divine purpose. Regardless of the way we see these externalities, it is important to acknowledge their existence and choose to concentrate our strength in what can actually be changed. And if there is something that can be controlled is our reaction when we face any event.
Nassim Taleb offers another perspective about our relationship with life's externalities (regarded here as Fortune). Just as we can't control these situations, they also don't have a hold on us:
"The only article Lady Fortuna has no control over is your behavior. Good luck."
Nassim Taleb
From the moment we take our eyes out of what can't be changed, we have more capacity to act on what is under our control. This is important because when we disassociate our emotions from what is external and connect our well-being with our own decisions, we become free.
If, for example, a writer publishes a book that will reach thousands of people, she can visualize the following scenario:
The book's title, content and format: I can control
The critical reception: I can't control
The way I can deal with criticism and reviews from the public: I can control
If this writer is able to focus on points 1 and 3, she won't be afraid to publish her work and expose herself to criticism. Besides, she won't feel like her success is conditioned to the way people evaluate her work, which is a fundamental skill in a time of fake profiles and toxic people on social media. By filtering this kind of noise, she'll be able to pay attention to constructive feedback from fellow writers and reviews from people with higher believability, as Ray Dalio would describe.
Furthermore, it is essential for us to understand that other people's behavior is not under our control. Often we tend to forget that as we place upon them our expectations like we were in a position of emotional begging.
When we recognize that, regardless of our effort, we are unable to make someone love us or please everyone, we liberate ourselves and other people as well.
Ignoring the changes that can be made by ourselves or spending energy on what is not under our control are just different ways of getting the same result: utter suffering. Breaking every event that occurs to us in controllable/uncontrollable is a fundamental skill and at the same time a very difficult one. That's exactly why Epictetus said that this is the "chief task of life".
The Serenity Prayer conveys this principle with a beautiful simplicity:
"God, grant me the Serenity to accept the things I cannot change; Courage to change the things that I can; and Wisdom to know the difference. "
Comments